segunda-feira, 21 de março de 2011

EDUCAÇÃO ESCOLAR E HIGIENIZAÇÃO DA INFÂNCIA

RESUMO: Este artigo analisa o modelo de educação sanitária formulado no interior da ampla campanha de regeneração física, intelectual e moral a que se lançou o Instituto de Hygiene de São
Paulo, instituição criada em 1918, em cooperação com a Junta
Internacional de Saúde da Fundação Rockefeller. Busca compreender as representações sobre a infância e as práticas por meio das
quais os médicos-higienistas paulistas procuraram intervir sobre os
corpos e as mentes das crianças. Para tanto, toma como fontes documentos produzidos no âmbito do Departamento de Higiene
Escolar do Instituto, conferindo especial atenção àqueles que permitem apreender o papel atribuído à escola primária na obra de
disciplinamento e conformação da infância aos imperativos da
racionalidade higiênica.
Palavras - chave: Escolarização. Higienização. Educação sanitária.
Infância.


Eliminar atitudes viciosas e inculcar hábitos de saúde, desde a mais
terna idade. Criar um sistema fundamental de hábitos higiênicos,
capaz de dominar, inconscientemente, toda a existência das crianças. Modelar, enfim, a  natureza infantil pela aquisição de hábitos
que resguardassem a infância da debilidade e das moléstias. Eis as tarefas de que se deveria incumbir a escola primária, no contexto da reforma que redefiniu o eixo da política sanitária paulista, na década de
1920. Tarefas que, aliás, pareciam ser reconhecidas como do âmbito
específico da instituição escolar. Não é demais lembrar, neste sentido,
que, concebida como cenário privilegiado de um conjunto de práticas
voltadas para o disciplinamento da infância, a escola vem sendo, recorrentemente, chamada a oferecer sua poderosa colaboração para o
sucesso de campanhas que visam ao combate de endemias e epidemias, como também para a difusão de meios de prevenção e preservação
da saúde. Campanhas essas pautadas em representações sobre a saú-
de, a doença, a infância e, ao mesmo tempo, em uma inabalável cren-
ça no poder modelador da educação e da escola.
Intentando dar conta das representações sobre a infância produzidas pelos médicos-higienistas paulistas e das práticas por meio
das quais procuraram intervir sobre os corpos e as mentes das crian-
ças, este artigo analisa o modelo de educação sanitária formulado
na esteira da campanha de regeneração física, intelectual e moral a
que se lançou o Instituto de Hygiene de São Paulo, instituição criada em conformidade com os moldes norte-americanos de abordagem
dos problemas de saúde pública, caracterizados pela centralidade
conferida à  formação da consciência sanitária  do indivíduo na prevenção das doenças. Para tanto, toma como fontes documentos produzidos no âmbito do Departamento de Higiene Escolar do Instituto, examinando, mais especificamente, a tese de doutoramento
apresentada pelo Dr. Antonio de Almeida Junior à Faculdade de Medicina e Cirurgia, em 1922, intitulada  O saneamento pela educação,
na qual podem ser identificadas as linhas-mestras que orientaram as iniciativas encetadas por essa instituição no sentido de legitimar a
educação sanitária como instrumento de higienização da população.
“A era da higiene”
A criação do Instituto de Hygiene, atual Faculdade de Saúde
Pública da Universidade de São Paulo, resultou de um acordo entre
o governo do Estado de São Paulo e a Junta Internacional de Saúde
da Fundação Rockefeller, em 1918, tendo em vista o provimento da
cadeira de Higiene da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Comprometido com o  ensino científico da higiene e a preparação
de técnicos para o provimento dos cargos de saúde pública, o Instituto foi oficializado em 1924 – pela Lei n° 2.018, que definiu as
suas atribuições e competências –, passando por sucessivas alterações
estruturais, que foram consolidando a sua autonomia.
No período de 1922-1927, essa instituição passou a assumir
um lugar de destaque na formulação da política sanitária estadual,
participando, de forma decisiva, da produção de um discurso científico sobre as questões urbanas e da elaboração de estratégias de intervenção que, tendo como objetivo central a  formação da consciência sanitária, colocavam a educação sanitária em primeiro plano,
deslocando a ênfase dos já conhecidos métodos de policiamento sanitário para modernos métodos de persuasão.


 Deslocamento esse que
não correspondeu ao abandono das práticas policialescas, as quais
passariam a se revestir de uma nova roupagem.
Nesse momento, em que o discurso higienista passa a se art i c u l a r   em  t o r n o   d o   b i n ômi o   e d u c a ç ã o   e   s a ú d e ,   o   I n s t i t u t o   d e
Hygiene constituiu-se também num espaço importante na articulação de estratégias voltadas para a veiculação da mensagem da higiene no universo escolar, quer pela sua atuação na formação profissional dos professores primários, quer pela formação de agentes
de saúde pública, quer, ainda, pela produção de impressos destinados, entre outros públicos, às crianças das escolas primárias e a
seus mestres. É na esteira dessas iniciativas que se pode compreender a organização do Departamento de Higiene Escolar, em 1922,
sob a direção do Dr. Antonio de Almeida Junior, lente de Biologia
e Higiene da Escola Normal do Braz e assistente pensionado do
Instituto. A análise da sua tese de doutoramento, intitulada  O saneamento pela educação, elaborada no Instituto de Hygiene e apresentada à Faculdade de Medicina, em 1922, oferece importantes elementos para a compreensão das representações sobre a infância
que perpassaram as propostas de educação sanitária elaboradas por
essa instituição.
Postulando a necessidade da aproximação entre educação e higiene, Dr. Almeida Junior procura construir, em seu trabalho, a idéia
do amplo reconhecimento da importância da higiene no enfrentamento dos problemas sanitários:
Estamos, agora, na éra da hygiene. Cimenta-se, no espirito dos que observam e investigam a convicção de que o futuro humano depende,
preponderantemente, da obediencia ás normas sanitarias, por parte das
sucessivas gerações; e que a incuria e o menoscabo, no tocante á hygiene,
tem sido e está sendo de consequencias funestas. (Almeida Junior, 1922,
p. 29)
A obediência do indivíduo aos ditames da higiene configura-se
como a fórmula que se apresenta ao espírito daqueles que  observam e
investigam os problemas gerados pelo rápido crescimento das cidades
e pelas  condutas desregradas da população. Estancar a torrente mórbida,
a grande ameaça que pairava sobre a sociedade, era o desafio diante
do   qual   se   colocavam  os  médicos -higienistas .  Desafio   esse   cuj o
enfrentamento exigia um programa de disciplinamento da população,
o qual deveria fundamentar-se na articulação entre higiene e moral:
Comprehende-se que não basta sanear o ambiente. O homem alheio á
higiene é o maior viveiro de germens patogenicos, e o mais activo
popularisador de molestias. Só elle mesmo, pela sua propria vontade,
aquecida pela educação moral e orientada pela instrucção hygienica, poderá estancar a fonte morbigena. (Idem, ibid., p. 11)
Concebendo os problemas sanitários como problemas de ordem educativa, cuja solução passava pela inculcação de modos de viver calcados nos parâmetros da ciência, Dr. Almeida Junior defende
a necessidade de buscar o concurso da escola primária na importante causa do saneamento do Brasil. Fator essencial na formação moral
e intelectual do povo, a escola primária é vista como a instituição a
cuja força e poder deveriam recorrer os higienistas. Assim,
mais uma vez, portanto, se appella para a escola. Reconhece-se que á ameaça de um grande mal, tão tristemente prenunciado, temos que oppor a
barreira da grande força da escola primaria. Agindo em massa, lenta e
continuamente, graças á sua universalidade e obrigatoriedade, é ella
susceptivel de alcançar a todos, no tempo e no espaço. (Idem, p. 33).


"Texto retirado do blog da periodista: Heloísa Helena Pimenta Rocha".

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